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Caricatura de Alfredo Sabat

viernes, 3 de agosto de 2012

“Fico surpresa quando vejo que pessoas ainda confiam nos bancos”, diz argentina afetada pelo corralito


Opera Mundi

Argentina conta sua experiência durante uma das piores crises financeiras da história do país

Maria Teresa durante protesto contra o corralito em frente ao Citibank.
Na foto, Maria Teresa Nannini protesta com uma bóia de pato em volta do pescoço. Entre tambores, cartazes e rostos indignados, a cordobesa se manifestava contra o que define como “estafa financeira” aos argentinos. Mãe de cinco filhos, Maria Teresa passou pelo menos sete de seus 65 anos reivindicando a devolução de seus depósitos, confiscados e deteriorados na crise que assolou o país em 2001 e 2002.
O pato na cabeça seria uma espécie de “nariz de palhaço”. A opção pelo objeto inflável se deu devido às afirmações presidenciais de que os cidadãos não seriam “os patos da boda” da catástrofe financeira, gerada por uma política insustentável de paridade entre o dólar e o peso, além de irresponsabilidade bancária. Ser o “pato da boda” é ser a vítima, o alimento da cerimônia. Mas para Maria Teresa, foi justamente isso o que aconteceu.
Autora do livro “El Corralito interior”, esta dona de casa argentina perdeu parte de suas economias durante a crise. Na obra, relata como sua indignação a levou a integrar protestos contra políticos e juízes, e a bater na porta de diversas instituições estatais reivindicando a restituição dos depósitos confiscados. Nesta trajetória, passou a ser integrante da assembleia auto-convocada Depositantes Bancários Argentinos Estafados (ABAE).
Em entrevista ao Opera Mundi, Maria Teresa critica o discurso governamental de que o pagamento dos bônus da dívida são o “fim do ciclo de 2001” e conta sua experiência após o colapso financeiro que levou a que muitos argentinos perdessem qualquer confiança nos bancos, leis e entidades governamentais.
***
Opera Mundi - Como foi sua experiência pessoal na crise de 2001?
Maria Teresa Nannini -
 Bom, eu era dona de casa, mãe de seis filhos, dos quais cinco estão vivos, e meu marido é médico. E fomos pegos por esta crise como todos, com os depósitos retidos, não chegamos a ficar na miséria, mas foi um colapso familiar. Meu filho teve todo o dinheiro confiscado, minha nora perdeu o emprego, adiaram o casamento. Meu marido presidia a Federação Ibero-Latino Americana de Queimaduras, era o depositante da entidade e esse montante ficou preso no banco. Ele teve que pôr dinheiro do bolso, porque só nos pagaram sete anos depois.
OM - E como foi o processo para essa devolução?
MTN -
 Entramos na justiça com um amparo, processando o Estado e os bancos em 2002, para que nos devolvessem o dinheiro em dólares, como tínhamos depositado. Devolveram 1,40 por dólar, segundo uma determinação da Suprema Corte, de 2007, de como os depositantes deveriam receber. Era um peso e quarenta centavos por cada dólar, atualizado de acordo com um coeficiente de referência e 4% de juros. Mas essa determinação abriu as portas para novos processos por danos e prejuízos, porque não correspondia à Constituição, foi um acordo político.
OM - Havia outro caminho para devolução?
MTN - 
Muita gente conseguiu retirar até 7 mil pesos dos depósitos, e fez amparo para obter o que faltava. E aí esses processos demoraram muito mais para se resolver, muitos receberam esta diferença, mas alguns não. Fora que algumas pessoas morreram e os herdeiros ainda tramitam na justiça essa devolução. E também tinha os bônus oferecidos pelos bancos.
OM - As pessoas que entraram com amparo não receberam bônus? Como se determinou os beneficiários?
MTN -
 Não. Era uma opção que davam aos afetados, como uma forma de receber seu dinheiro. Se tinha amparo na justiça era uma coisa, se não, era o bônus que o banco fazia, para você receber seu dinheiro dez anos depois. O Estado assumiu a diferença do valor, quando deveria ter dito aos bancos que pagassem suas dívidas. Sempre terminam compensando o poder financeiro. Olha o que está acontecendo agora na Europa. No fim, os bancos não pagaram nada e os Estado os compensam. Ou seja, nós mesmos assumimos esta dívida, pagamos impostos e o Estado devolveu. E os que receberam, seis, sete anos depois, se depararam com cifras que pareciam as mesmas de antes, mas que não tinham nem metade do valor de compra do depósito original.
Divulgação
OM - Como a assembleia de Depositantes Bancários Argentinos Estafados (ABAE) se reuniu?
MTN - 
Quando as panelas soavam mais timidamente, pessoas de diferentes bairros se conheceram. A gente se reunia em bares e nos somamos para esta reivindicação. Além de recuperar os fundos, queríamos que a Constituição nacional fosse respeitada. Também fizemos trabalho solidário, porque esta foi uma época de muita fome aqui na Argentina, as pessoas não sabiam a quem recorrer para conseguir dinheiro. Então levávamos alimentos não perecíveis a creches e refeitórios, a vários lugares que precisavam. Muita gente diz que só protestamos porque tocaram no nosso bolso, mas a maioria dos depositantes era gente comum, aposentados, gente que tinha recebido indenizações, trabalhadores que economizaram toda a sua vida para ter uma tranquilidade na velhice.
OM - Muitos membros da assembleia foram afetados desta forma?
MTN - 
Menciono um caso. Teve um grande acidente de avião aqui na região e muitos familiares tinham depositada toda a indenização que receberam . E também teve casos extremos, um estudo de uma fundação revelou em 2005 que cerca de 10 mil enfartaram aqui na Argentina pela crise. Por isso, a assembleia também serviu como um apoio psicológico, estávamos unidos e nos ajudamos muito. No período mais crítico da crise, as assembléias da cidade de Córdoba chegaram a reunir 600 pessoas. Nos protestos, levávamos cartazes com os nomes das pessoas que morreram sem receber seu dinheiro de volta.
OM - Os protestos continuam?
MTN - 
Durante sete anos, lutamos intensamente, protestando, mandando cartas aos políticos. Mas, há uns três anos, passamos a nos dedicar a ações sociais, acompanhando os casos individuais que esperam decisão da justiça e a assembleia já não se reúne. Ainda íamos, há três anos, na frente dos bancos para distribuir folhetos, para que as pessoas se lembrassem do que aconteceu, que sempre lessem as letras miúdas dos contratos, porque isso pode voltar a acontecer.
OM - Como você se sente com o anúncio governamental de liquidação da dívida deixada pela pesificação?
MTN - 
Dizem que hoje um capítulo iniciado em 2001 termina. Mas isso não vai acabar, até que todos sejam compensados, e muita gente ainda tem amparos na justiça para a restituição dos valores depositados. E as decisões judiciais saem de vez em quando, a conta-gotas. O fim da dívida é o que eles querem que a gente veja politicamente. Além disso, muitos dos bônus foram vendidos pelos primeiros proprietários, que precisavam de dinheiro e negociaram. Só as pessoas próximas ao poder têm capacidade econômica para comprá-los. No geral, são estes poderosos do capital que vão ser pagos agora, não as pessoas comuns.
OM - O argentino comum ainda acredita nos bancos?
MTN - 
Hoje em dia, bem menos. Fico muito surpresa quando vejo que algumas pessoas ainda têm aplicações, como ainda acreditam nos bancos? O poder financeiro é uma maquinaria tão poderosa que sempre pode nos prejudicar. É algo que as pessoas realmente têm que viver para entender o que pode acontecer.

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